quinta-feira, 7 de maio de 2009

Many people believe that Dubai is a futuristic paradise or a late-capitalist nightmare...

Poderá ser, por causa do calor húmido que já se faz sentir no Dubai-Primavera, o que é certo é que não tenho andado a fazer os trabalhos de casa.
E quem não faz os trabalhos de casa, mesmo que seja iluminado e tire vários "Satisfaz Muito Bem" (com letras maiúsculas), não tem nunca o "5" no final do período.
Nada se faz sem trabalho.

Assim sendo, é altura de me redimir porque ainda tenho tempo de fazer chegar à Senhora Professora uma redacção que substituirá quase todo um período de faltas de trabalho de casa.
Englobará as disciplinas de Meio-Físico e Social, Estudos Sociais, Geografia (Social), Português A e B, Sociologia e se, os Senhor Professores de Filosofia e de História assim o entenderem, essas duas disciplinas mais.
Um trabalho das Humanidades, portanto
Passo a transcrevê-lo:

"
Somos tentados a acreditar que estamos num país desenvolvido tal a quantidade (e qualidade) de bens móveis e imóveis que nos rodeiam.
As ruas estão limpas, de cara lavada, não há rigorosamente criminalidade nenhuma e eis que, subitamente, os mais distraídos apercebem-se.

Apecebem-se que poderão estar num país quase-desenvolvido quando se começam a deslocar ao centro, em Deira, e já reparam mais suor nas faces, cestos de especiarias no solo, olhares plácidos e carentes, sorrisos sinceros dos miúdos, bolas de futebol a rolar, indigência disfarçada em quartos de 5 pessoas.



Voltam à Jumeirah Beach Residence e voltam a descrer e a crer.

Hora de aglomerado de "indianos" (palavra usada por ocidentais para descrever cidadãos da Índia, Paquistão, Sirilanca e Bangladeche) que saem de mais uma obra e que adormecem a fazer fila para o autocarro que lhes vai levar o corpo a descansar algumas horas.
Descrê-se que se está num país quase-desenvolvido para se finalmente crer que se está, num país em vias de desenvolvimento.

Os Emirados são um país em vias de desenvolvimento porque sabem que lhes falta muita coisa e não têm cultura de a ter.
Como qualquer remate de Leonel Messi, assim fácil, potente e de belo efeito, quem não pode fazer o que quer, compra.
Compra-se o know-how à Europa Ocidental, EUA, Oceânia e África do Sul e a mão-de-obra, à Ásia Oriental.
Só assim se compreende que, por mais passivo que se possa ser em relação à vida, um europeu possa ficar cá.

Ficar por menos de 5000 Euros mês "não vale a pena" segundo muitos expatriados ocidentais.
"Ainda me podem vir a pagar o automóvel e o alojamento".
Quando se lhes pergunta se estão a gostar, encolhem os ombros e esgalham um sonoro "umpf".
"Fui escolhido sem entrevista, tenho o curso de Engenharia Civil e eles estão com muita pressa de acabar o projecto. Só indagaram acerca da minha ocidentalidade e se 5000/mês estava bem. Foram dois e-mails e olha, estou cá há 3 anos".
Mas estás a gostar? "Umpf".

O Madu, nosso carinhoso indiano office-boy, que já tira cafés quase Delta, vai-nos falando de alguns primos que vieram para cá.
"Prometeram-lhes casa com quarto e um bom ordenado. Mas vivem nos compounds na zona do deserto de Jebel Ali. Tomam banho quando calha e trabalham 12 ou 13 horas por dia. Agora não se importam. Mas em Julho é que vai ser porque vão estar 50 graus. Podem morrer, podem mesmo morrer."
E o Madu tem razão. Há centenas largas de mortos por "acidente de trabalho" que é a forma eufemisticamente utilizada para substituir "exploração" ou "escravatura humana".

Se se lhes pergunta: "então estás a gostar?" hesitam muito menos que aqueles portugueses ocidentais - "Não. Mas a minha mãe precisa do dinheiro e tenho que o enviar".
Resposta semelhante ouvir-se-á garantidamente das centenas de prostitutas que se passeiam pelas ruas do Bur Dubai de países tão distintos como a Ucrânia, Casaquistão, Mongólia, China, Eritreia, Quénia, Nigéria, Filipinas ou Bangladeche.

Porque sou um tipo que sempre gostou de conversar com taxistas (porque sabem sempre os resultados da jornada e os spots mais "quentes" da cidade) foi-me comunicado que após 12 horas de trabalho "a vontade que tenho é de me despedir. Mas não posso porque no contrato está que tenho que pagar uma taxa de despedimento. Ganho mal e não gosto do que faço mas o meu irmão tem uma gangrena e não deve durar muito mais".

Subitamente pega violentamente (soltando as mãos do volante) na farda oficial de taxista. "Estás a ver isto? Isto é merda! Conheci uma mulher de negócios, marroquina, fomos à discoteca do Atlantis Hotel. Ela é linda, foi uma noite maravilhosa. Na semana seguinte, voltei lá para deixá-la e o mesmo porteiro, meu conterrâneo, que quase me tinha feito a vénia ao entrar, escurraçou-me, em indiano, a bater compulsivamente no capot do carro, dizendo que ali não era sítio para se parar. Voltando a pegar na farda e com um safanão no volante, This is shit Sir, I don ´t have studies. This is shit".

Ainda mais me confrange saber que as castas sociais na Índia são ainda lâminas aguçadas e apontadas à inteligência e razoabilidade humana.
Os indianos mal-tratam-se entre si porque nasceram em regiões diferentes. Aqui ainda se inflacciona mais esse estado de coisas latente. Se estão fora, competem e competem ao ponto de se humilharem com reverências bacocas aos ocidentais, que são pré-requisito de formação para qualquer biscate profissional. Os árabes exigem, em períodos de formação curtíssimos, ou melhor, formatação, que se use o "Sir" ou o "Boss" sempre em relação aos ocidentais.
Não interessa a formação profissional. Interessa a formatação social.

Depois (e sabendo que é sempre injusto generalizar mas é tão flagrante que dói), à semelhança das Ouras e Montechoros algarvios, vemos britânicos a escarrar para taxis só porque já estão cheios de gente e não vão parar.
Britânicos que são pagos pelos árabes que "formam" os indianos.

É o que acontece quando está muito calor para trabalhar, há muito dinheiro, pouca inteligência e pouco saber-fazer.
Importa-se frescura física, cabeças pensantes e técnicos especializados.
O deserto transforma-se e a obra nasce.

Nem tudo são espinhos.
O Dubai tem autóctones muito preocupados com a situação.
Gosto de me deslocar ao "Shelter" que é uma Associação Cultural. Como o nome indicia, um dos únicos abrigos de nicho.

The Shelter

Conheci dos árabes mais interessantes e imparciais de toda a minha vida. Bebemos vários sumos naturais (são baratíssimos e poderosos), conversamos e pegamos em um ou outro filme para ver.
Depois, no fim-de-semana, vou até às maravilhosas "wind towers" e calcorreio as vielas por onde se escondem fantásticos cafés em páteos interiores e se descobrem algumas galerias de arte.
Palpita-se o melhor da Europa (com europeus e restantes ocidentais), com gente interessada, com gente interessante e acima de tudo, com gente criativa e colorida.


Catherine David, francesa ao serviço da arte, curadora e historiadora que deu o mote para o título deste blog acaba assim:
"We are trying to show that the situation is more open, more complex, more heterogenous."
Espero, do fundo do coração, que a presença destas pessoas com quem bebi sumos, seja um sucesso, lá na Bienal de Veneza.
Porque há cruzes que pesam muito mais que outras.


Mas não se preocupem, senhores dos poços, que estes não são perigosos.
Não se preocupem.
Apenas pintam.
Xiuuuu "

A smile so far removed, one day will be improved...


Espero que a Senhora Professora tenha em atenção as despesas que tive, o grau de cansaço da grandiosa viagem e a ausência de refeições quentes durante a mesma.
Peço o "5".

Sobre a exploração humana no Dubai vale a pena espreitar: http://www.youtube.com/watch?v=1G--pYzttkY&feature=fvst e
http://www.youtube.com/watch?v=gjqlbVuTtEA

O grandioso Shelter: http://www.shelter.ae/

5 comentários:

Anónimo disse...

há mais que uma forma de se escrever num blogue. há os que, no dubai, fazem deles pontos de interesse, pertinentes e que - com humor e graciosidade - produzem conteúdos, com a devida reportagem fotográfica, dignos de cinco. é teu, mereces.
sónia

Anónimo disse...

ainda te vão condenar à perpétua por tanta verdade passares cá pra "fora". tem cuidado!

Xagua

jerónimo disse...

Mais uma bela reportagem, meu caro! Começa a ser um vício vir aqui! Pena não ficares aí muito mais tempo... eheh, não era bem isto que queria dizer... eheh.

Ana Barros disse...

Johnny boy, vais ter negativa!! Há quase um mês q não rabiscas aqui nada!! Culpa das libanesas?.. :D

Saudades tuas e das tuas estórias!

Beijos-grandes-daqui-até-aí!

Dani disse...

Olá Pessoal!
Somos brasileiros moradores de Dubai e como o assunto é Dubai, gostaria de convidar vcs pra participar da nossa comunidade no orkut.

BRASILEIROS EM DUBAI_OFICIAL (aquela com a foto da bandeira dos 2 países,Brasil-Dubai)

http://www.orkut.com.br/Community.aspx?cmm=40338867

Abraços a todos!