quarta-feira, 4 de março de 2009

Sobre algumas considerações sociais e o Casamento.


Já aqui tinha feito, muito na diagonal, uma ou outra referência às castas sociais não institucionalizadas que perspassam na vertical todo este folclore que são os Emirados Árabes Unidos.

Mas, uma acepção mais linear de "folclore" (aquela que habitualmente a populaça apelida também como rancho), pode deixar adivinhar uma noção negativa associada a preconceitos que se prendem com diferentes percepções culturais.
Ou por outro lado, a consideração de que tudo o que é folclore é, ora parolo ora foleiro.
E é injusto que assim seja.

Se espreitarmos o website da Federação do Folclore Português (geralmente confundida com a inexistente Federação Portuguesa de Folclore - pelas óbvias referências futebolísticas) sabemos que o Grupo Folclórico e Etnográfico de Macinhata do Vouga foi assaltado:


"A sede do Grupo Folclórico e Etnográfico de Macinhata do Vouga (Águeda), foi assaltada e o seu espólio material e cultural roubado. O fruto de mais de 20 anos de trabalho desapareceram e o futuro desta colectividade ficou seriamente comprometido, seja pelas perdas insubstituíveis, seja pelo desalento que tomou os dirigentes e os componentes do Etnográfico de Macinhata do Vouga".

Alguém, de bom senso, discordará que se ateste a gravidade do ocorrido no que toca ao (des)respeito para com as raízes ancestrais (agora arrancadas) da Freguesia de Macinhata do Vouga? E aqueloutras para o Concelho de Águeda?
Em continuação:

"Qual a motivação? Qual o interesse económico dos larápios? Qual o destino de tanto património cultural roubado?"

É com esta questão etno-cultural poderosíssima que temos que, inevitavelmante, assumir uma reflexão consciente.



Apesar de me considerar muito pouco burguês, a verdade é que, em muitas áreas da vida, padeço de um certo aburguesamento que se prende com caprichos, selectividade e triagem qualitativa.

Isto porque, se em vez de me falarem de "folclore", me sussurrarem ao ouvido World Music (em Português, Música do Mundo ou as Músicas do Mundo) penso logo em Sines ou no Sons em Trânsito.
E isso sim. Isso é de Salas 2 a horas pouco convidativas, lá para os lados do Oita, na Lourenço Peixinho.

A mesma história, a da música popular e a da música pop.
Não serão elas a mesma e uma só coisa mas dita por pessoas diferentes e em ambientes distintos? Ou pelo menos, concordaremos, não terão, pelo menos, uma base claramente comum?

Com esta verborreia toda, já se esqueceram do GFEMV (Grupo Folclórico e Etnográfico de Macinhata do Vouga)?
Pois eu, não.

Pretendo fazer um pequeno exercício, baseado ainda na minha profunda inexperiência de vida (por isso vos peço a vossa preciosa crítica, compreensão e auxílio para que se complete atempadamente esta tese).

Quero encontrar os larápios, aqui mesmo, nos Emirados.

Deste modo, restituir a dignidade aquela Associação Cultural sem escopo lucrativo que, de forma tão militante, leva a Macinhata aos cinco cantos da emigração portuguesa (porque ainda não há voos comerciais para o ciber-espaço).
Viva a Sociedade Civil!



World Music Vs Folclore / Sines Vs Encontro Nacional de Folclore de Águas Santas


Por admitir ser mais aburguesadito, tendo em acreditar que este ano, à semelhança dos anteriores, o Encontro Nacional de Folclore de Águas Santas vai ser uma parolada.
Seguramente, as Músicas do Mundo em Sines, ou o AnDanças em São Pedro do Sul, mais uma vez respirarão a qualidade que sempre os caracterizou, na prazenteira possibilidade de mergulhar respectivamente, ora no Oceano Atlântico, ora no Rio Vouga.

Assim é por cá, quando os playmobis da construção vindos do Paquistão, Índia ou Filipinas, "despegam" em magotes fazendo jús à tal expressão que todos aprendemos na cresce: "de mãos dadas e em filinha indiana".

Cheiram muito mal, sorriem porque têm que ser simpáticos, escutam e dançam música muito pouco árabe.




Dirão, a maioria dos expatriados ocidentais, que não entendem como estes monhés se comportam daquela forma. E dirigem-se eles depois para Sines, no conforto do seu automóvel patrocinado por uma das três maiores empresas do ramo.



No dia seguinte, são os primeiros a telefonar para os filhos na Europa a referir que, depois de Sines, ainda tiveram tempo para ver uma das maiores companhias de dança do ventre de Oman que, por acaso passou em Abu Dhabi para o aniversário do Sheik e que, "afinal vai começando a aparecer alguma oferta cultural por cá".



Por mim, vou chegando a algumas conclusões, num país em que apenas 34% da população é autóctone (e 10% no Emirado do Dubai), sendo que a grande fatia é proveniente de outras regiões asiáticas e, residualmente, ocidentais que trabalham como técnicos superiores, directores e administradores.

E sim, foram estes ocidentais, a par dos árabes envaidecidos que os gostam de ouvir falar, que introduziram a falsa World Music (a mesma, a da Mariza que canta o "fado" e que povoa as televisões locais) e ridicularizaram o folclore que, ao contrário de nas outras partes do mundo, chega de fora, lá dos lados das Índias e Filipinas.
Quer-se queira, quer se não queira, quem constrói a identidade cultural é quem está. E que está em maioria sulca mais fundo.



E isso é folclore.
E isso é ser popular.

Isto não é rancho.
Portanto, aqui deixo, para memória futura, algumas fotos do melhor momento desta minha estadia.

Tive o privilégio e a honra de aceder ao convite simpático e assistir ao casamento da irmã do "nosso" Sunil (casado com uma chinesa que conheceu em Inglaterra enquanto tirava o seu MBA), administrativo lá no escritório.
Nascido no Dubai, de origem indiana, fruto da angariação árabe de mão-de-obra, iniciada nos sessentas aquando da descoberta efectiva de petróleo, elemento que continua a pagar as exuberâncias que nutrem o ócio dos autóctones.
Nasceu cá mas nunca obteve, nem obterá, a Nacionaliade.

A cerimónia realizou-se no único templo indiano que, numa atitude muito pouco ecuménica e a muito custo, sobrevive num armazém do Bur Dubai, encafuado na indian lane souq, na parte mais antiga (mas pouco) da cidade.

É deste folclore que falo.

E num país de nómadas, sem recursos naturais a não ser o fabrico de petróleo (descoberto há um par ou mais de décadas), com regras de sociabilidade pouco consensuais à luz dos nossos valores ocidentais, não se deve poder admitir uma ditadura de (falta de) gosto(s) e de gritante negligência etnogáfica.

O Sheik manda chamar o indivíduo, a obra faz-se. Ordena descartar e contempla. Preocupa-se, de seguida, por não estar seguro da existência de algo maior em NY ou no Parque das Nações.

Os Árabes milionários mas também aqueloutros apenas ricos, regra geral, são vaidosos, avassaladoramente pindéricos, arrogantes, hipócritas e exploradores.
Compram os serviços aos ocidentais e a mão-de-obra aos asiáticos.
Apenas retêm alguns dos semelhantes em postos administrativos para garantir que ninguém fuja da alçada desta ditadura de caprichos e falsas religiosidades.

O resto do mundo islâmico, particularmente a vizinha Arábia Saudita, que às Sextas continua a encher estádios no espectáculo público da morte assistida, olham bem de esguelha para todo este deboche. Apenas o toleram por motivos dinásticos, por respeito às origens dos Sheiks e das suas famílias nos Emirados e, inevitavelmente, pelas excelentes relações económicas que com eles detêm.

Mas esquecem-se que o Dubai praticamente não existia há cerca de 60 anos, que o petróleo já está a acabar e que os turistas cedo se aperceberão que isto tem muito pouco para oferecer para além dos pacotes turísticos risíveis, entediantes e reeinventados até à exaustão, acrescido do sol(o) abrasivo e insuportável.
Uma seca, portanto.

Ou "eles" se apercebem que a aculturação de mais de metade da população que ajuda a construir no deserto (e asseguro-vos, meus amigos, que construir no deserto não é fácil) é fundamental, ou "eles" deterão eternamente o estatuto de trampolim. Vem, salta mais rico e regressa à origem com a certeza de desperdício existencial.

Mas também é verdade que a Cultura leva tempo a ser edificada. Pode acontecer que este caminho se começe a calcetar agora. Mas nunca virando costas a quem está, mesmo sendo de fora. Isso é irrelevante. Que perigos pode haver? É ainda mais enriquecedor crescer na partilha (veja-se, a título de exemplo, as meninas de Cabo Verde)...

Não há incompatibilidades. Só se as inventa por decreto.

A esta hora estará Michel Giacometti, com o seu precioso legado, fruto das fabulosas recolhas feitas no âmbito do folclore e da etnografia, a dar voltas na tumba, e a pensar como estarão as pessoas da Freguesia de Macinhata do Vouga. Essas mesmas com quem ele falou.
E este senhor, asseguro-vos, não era parolo e sabia umas coisitas. E rancho, era raro comer.

Preferiria viver, concerteza, em Deira, no meio da confusão importada, do que no fabuloso, faustoso e mui algarvio aldeamento de Greens (onde resido actualmente, atestando então, o meu laivo de burguês comodista a caminho da falência).

As culturas não tem escalas de grandeza. Coabitam paralelamente na realidade mas se se casam, vos garanto, nunca mais se divorciarão. Amadurecem.

As culturas não são moralizadas. Por mais que se pense que se consegue, é falácia. Porque elas sobrevivem sempre às pessoas. O mais que pode acontecer é adaptarem-se. E isso só acontece quando se toca, se cheira, se sente, se vê e se ouve. É preciso conhece-las. E o (re)conhecimento é mútuo. Têm de ir ao encontro umas das outras.

Aqui, uma ocupa a redoma aveludada e pesada da preguiça. As outras, descomprometidas, aguardam a partilha de uma refeição com a mesa posta há já muito tempo.

Temo que a comida, já fria, não se conserve por muito mais tempo...

Cá por mim, já sei quem assaltou a Sede, lá na Macinhata.
Descobri os larápios.

Resta-me apenas, aguardar pelas vossas pistas sherlockholmianas.
Mas duvido que mude de opinião.

De qualquer forma, se souberem de mais alguma coisa, aqui fica o contacto que devem accionar:

"Apelamos à solidariedade e ao espírito de classe de toda a família de grupos de folclore e ranchos folclóricos, apelando à atenção de todos para identificar a presença de algumas destas peças, seja em feiras de velharias, seja em estabelecimentos comerciais com artigos da tradição ou, ainda, caso exista algum contacto para oferta de algum deste espólio. Os alertas deverão ser dirigidos ao móvel 93 640 89 27 (José Augusto Marques)."

5 comentários:

Pedro Caleiro disse...

Epah, és igualzinho aos árabes, só que de gravata. :P

Eduardo disse...

Estou completamente rendido a este fabuloso texto que aqui apresentas. Simplesmente genial a analogia com a cultura que ai estás a conhecer e o nosso "inestimável" folclore. Espero que esse espólio do local onde trabalho seja recuperado.

Grande abraço...

Al disse...

"As culturas não tem escalas de grandeza. Coabitam paralelamente na realidade mas se se casam, vos garanto, nunca mais se divorciarão. Amadurecem."

Eh lá!!! É bonito!! Temos escritor!! Sim, senhor ;)força aì nessas canetas!

Abraço

Anónimo disse...

Mto bom! Mto bom mesmo!!
Um abraço

Anónimo disse...

Delicioso!